>Coisas de reveillons

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Eu precisava ir embora sorrateiramente de 2008.

pensei então em sair banalmente à francesa.

Mesmo lembrando panetones,taças e biscoitos.

Que eu desdenhasse de alguma tristeza.

O que poderia eu mudar de minha vida ! pateticamente ainda seria o mesmo humano,

claro que muitas horas foram friamente vencidas,

Mas ainda almejo paciência, pra que seja outro ano.

Ah! quer saber não vou ver os abomináveis fogos,

Apenas me deito em baixo do lençol e não digo nada.

E 2009,nem imaginará que na folhinha.

A última página do calendário foi rasgada.

E quando acordar meus obscenos pensamentos,

Dirão que ainda farei muitas “cagadas”.

Mas que forma feia de finalizar a poesia.

É que talvez um ano novo nem me diga mais nada.(Alcyr Guimarães)

Ah, meu amigo…
O que esses finais de ano nos fazem, não?
Passei os últimos assim, feito blindex, quase transparente.
Acho que os anos não gostaram, pelo menos é o que parece.

E eu, que nunca havia dito nada de mal sobre eles, os novos anos;
achei que, pela primeira vez, as coisas tinham piorado.

Os anos novos são caprichosos, cheios de manhas e exigências.
Eu deveria respeitá-los, pelo menos fingir que traziam alguma especie de esperança quase extinta.
Mas tinha medo dos abomináveis que soltam os fogos.
Da turba feliz, respingando champanhe e essa felicidade imoral por todos os lados.
Temia o pernil e as romãs; a banda ao vivo, o barulho da alegria.
Imagina, isso era um ultrage à minha tristeza sem razão e à minha revolta com sua pequena causa.
Fiz assim: vivi um reveillonzinho,
para que os Deuses que regem e protegem os novos anos,tivessem um pouco de piedade de mim.
Cozi lentilhas, assei um tal dum pernil semi-pronto.
Fiz uma farofa que acabou supimpa.
Abri um espumante, escolhido pelo nome, quanto menos pela qualidade, eu lá sou de conhecer esses proseccos que as dondocas bebem no Boteco?

Espuma de Prata. Nome liindo! Combina com ‘lurex’, ‘brilho’ e outras palavras de final de ano. Lembra minha infância. Nada mais apropriado para a primeira madrugada do ano recém nascido.

Fui para a varanda; entre um recorte de um telhado e uma árvore soturna, olhei os fogos que partiam, acho que do Hangar. Nem são tão abomináveis, sabes? Uns até são bem bonitos de ver.
Acompanhei a contagem, num vestido novo dessas modinhas de camelô,taça do enxoval, de cristal da “bohêmina”, cheia de Espuma de Prata, que coisa!
Mentalizei a calcinha amarela do ano passado, escondida na gaveta por todo esse tempo, e pedi só um pouco mais de conforto, um trabalho, se não fosse pedir muito. Ou uma parte da mega-sena.Segurei a faixa vermelha do vestido de malha e pensei num amor…Engoli as lentilhas e, na varanda, imaginei sete ondas.

Pronto. Fiz tudo certinho.Mas eles, os anos estreantes, são muito esquisitos, sempre.Por mais que a gente acredite que, passada ‘outra fatia,’ tudo será novo, eles (os esquisitos) chegam maliciosos, os danados; disfaçados de ano passado,confundem a cabeça da gente, que acaba não rasgando a agenda.

É, os anos novos são assim. Depois, lá pelo mes de março, a gente vê crianças voltando para a escola e percebe que o tempo não parou nem para esperar que o ano velho desercarnasse da folhinha que não lhe pertencia mais.
Então será a época de quem é meio atrasado como eu, usar branco, pular as ondinhas com ou sem mar e meter os peitos. Eita, que esse ano ainda tem jeito! (Vera Cascaes)

>Em branco

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A segunda-feira chega e me ameaça. Devo escrever. Com aquela dose generosa de humor; rir é o que todos querem. Ou quase.
E eu que prefiro escrever sobre os outros, me pego olhando pra dentro em busca de sei lá o que, porque na verdade, não tenho muito a dizer. Não hoje, não nessa segunda-feira.
O Raimundo Sodré me dizia (quando mesmo meu Deus?, acho que foi sábado) sobre essa coisa de inspiração. Ele é poeta, faz com que as palavras tenham cheiro de patchoulli, de mato verde, com a textura de bordado delicado. Eu, sou só uma falastrona que nem sempre acha assunto. Ou graça.
Passo a vista nos versos do Ronaldo Franco, adoro ler sobre a Cidade Velha. Quase ouço aquele finzinho da chuva gotejando…Adoro chuva. O Alcyr Guimarães me brinda com palavras sobre uma segunda-feira qualquer. E então aspiro um pouco esse clima, justo a inspiração do papo do Sodré, e vou emprestando um tantinho de cada um, um tantinho do outro; as notas, o céu azul e as borboletas de um; as rimas e as sinas de outro, e a chuva, ah…a chuva…e os poetas vão me fazendo teclar; mais um pouco, mais um pouco…